29 de outubro de 2010

Outono




Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.


Miguel Torga




Uma lâmina de ar
Atravessando as portas. Um arco,
Uma flecha cravada no OUTONO. E a canção
Que fala das pessoas. Do rosto e dos lábios das pessoas.
E um velho marinheiro, grave, rangendo o cachimbo como
Uma amarra. À espera do mar. Esperando o silêncio.
É OUTONO. Uma mulher de botas atravessa-me a tristeza
Quando saio para a rua, molhado, como um pássaro.
Vêm de muito longe as minhas palavras, quem sabe se
Da minha revolta última. Ou do teu nome que repito.
Hoje há soldados, eléctricos. Uma parede
Cumprimenta o sol. Procura-se viver.
Vive-se, de resto, em todas as ruas, nos bares e nos cinemas.
Há homens e mulheres que compram o jornal e amam-se
Como se, de repente, não houvesse mais nada senão
A imperiosa ordem de (se) amarem.
Há em mim uma ternura desmedida pelas palavras.
Não há palavras que descrevam a loucura, o medo, os sentidos.
Não há um nome para a tua ausência. Há um muro
Que os meus olhos derrubam. Um estranho vinho
Que a minha boca recusa. È OUTONO.
A pouco a pouco despem-se as palavras.

ANTÓNIO GEDEÃO



É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro
É triste no OUTONO concluir
que era o verão a única estação
Passou o solitário vento e não o conhecemos
e não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã
Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente.
Ruy BELO



Se deste OUTONO uma folha,
apenas uma, se desprendesse
da sua cabeleira ruiva,
sonolenta,
e sobre ela a mão
com o azul do ar escrevesse
um nome, somente um nome,
seria o mais aéreo
de quantos tem a terra,
a terra quente e tão avara
de alegria.


Eugénio de Andrade
Obra Poética de Eugénio de Andrade




Chega o OUTONO!
As andorinhas
despedem-se das outras avesinhas
e vão pelos ares fora
vão-se embora
embora?
Não!
Que voltam, voltarão...
Quando a bela estação
da Primavera
que antecede ao Verão
oferecer melhor vida.
Não têm agasalhos nem comida,
vão para terras quentes
à procura do sol que as consola
Mas nós, crianças,
nós,
todos contentes
partimos para a escola.

ALICE GOMES

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